Morar em Berlin é…

…estar no metrô, 

e a moça ao meu lado esquerdo estar falando ao telefone em russo.

O cara à direita estar lendo um ebook em espanhol. E o vizinho dele, um livro em inglês. 

E como deixar de notar o grupo de amigos conversando em inglês e a mulher do grupo com um sotaque francês. 

Sem esquecer da moça que aqui escreve, em português. 😉

Dos caminhos

São mais de seis anos de Alemanha.
São mais de seis anos de aprendizado.
São mais de seis anos de falhas e conquistas.
Aqui, reconstrui minha vida do zero duas vezes: quando cheguei e quando me recuperei da minha doença.
Tem pouco mais de dois anos que estou nessa fase: reconstruindo.
Tem pouco mais de dois anos que me sinto livre.
Desde então, o caminho que escolhi foi um só: pra frente. Respeitando meu tempo, minhas necessidades.
É nele que me sinto em casa.

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Sobre distâncias

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Cheguei do Brasil há uma semana. Fiquei 12 dias.

O Brasil é gigante, se comparado com a Alemanha. A Bahia, meu estado, é maior que a Alemanha, por exemplo. Por isso, a sensação de distância é maior.

Estive lá para trabalhar, no interior do Piauí. Quando eu falava para os alemães que estava indo pro Brasil, eles perguntavam se eu ia visitar a família. Eu explicava que não seria possível, porque estava indo com uma agenda apertada e era longe da casa dos meus pais. Eles achavam estranho eu não conseguir aproveitar a oportunidade, já que estaria no país. Aí eu dizia: são mais de 1000km de distância! E eles faziam aquela cara de “nossa senhora, como é longe!” e entendiam melhor. Porque 100km aqui já é longe.

Aí cheguei no Brasil. Uma vez lá, previsava visitar pessoas e instituições. Uma delas estava a 2km do meu hotel. Aí disse para um brasileiro que iria andando. Ele me olhou com aquela cara de “vixe maria, essa aí é doida”. Eu expliquei que essa é a distância que eu faço em Berlin a pé ou de bicicleta. Mas, dessa vez, ele não entendeu.

Tive que pegar um taxi.

Qual é o seu nome?

– Eve.
– Ué! Você não é brasileira?
– Sou.
– Eve não parace ser um nome brasileiro.
– Ah, minha mãe já sabia que eu ia sair do país um dia, por isso me batizou assim.

Essa é a versão para quando estou com bom humor.

A versão do mau humor é assim:
– Qual o seu nome?
– Eve.
– Ué! Você não é brasileira?
– Sou.
– Eve não parace ser um nome brasileiro.
– E o que é um nome brasileiro para você?!
– …

Os refugiados e eu

A discussão sobre refugiados aqui na Alemanha me desperta muitas emoções. De um lado, a empatia, aquele sentimento de impotência por não poder acabar com seus sofrimentos; aquela identificação automática que me impede de fazer um trabalho voluntário, porque eu ia apenas abraçar um criança, sentar no chão e chorar com ela nos braços.

Do outro, o fato de eu, nesse país e continente, ser tão estrangeira quanto eles. E me sentir afetada por toda essa discussão do que é certo ou errado, sobre quem tem direito de estar aqui ou não, sobre quem tem o direito de continuar lutando pra viver ou terminar de morrer na guerra ou nas barreiras construídas pelos países fronteira. Sobre ser bem vinda.

Eu viajei pra Polônia de férias. Eu gostei de lá. Voltaria. Não volto mais. E também não tenho mais vontade de visitar países que construíram muros e cercas, que viraram as costas, que ignoram o problema, a situação.

Aqui, eu vejo uma Chanceler desesperada, tentando fazer a política que lhe cabe, declarando que se não houver uma solução, “esse não é o país em que ela quer viver”. Mas, ela tem que brigar não só com os políticos de um país, como também com os de um continente, uma “união” em frangalhos. Além de uma população reacionária, que comete crimes e coloca fogo em asilos de refugiados, nem são presos, nem vistos como realmente deveriam ser: como terroristas. E eu me pergunto: é nesse país que quero viver? Sou mesmo bem vinda ou apenas tolerada?

Eu não quero tolerância. Eu não quero me sentir pedindo autorização para viver aqui. Tolerância, para mim, parte sempre de uma relação de poder: eu, o branco europeu, permito que você viva aqui, eu te tolero porque sou bonzinho e indulgente.

Recuso-me a viver com a sensação de que sou apenas tolerada.

A impressão que tenho é que estamos à beira de um colapso. De uma hora pra outra, todos os não-europeus, que por hora são tolerados aqui, serão os novos “judeus” em pleno século XXI. E isso é de uma hipocrisia sem tamanho. Europa não vive sem a exploração do outro, sem a mão de obra escrava ou mal paga do outro, sem as matérias primas e sem lobby. A diferença é que eles, os não-europeus, nunca deveriam ter saído de lá. Mesmo que as desgraças “modernas” sejam culpa da Europa. Desde a colonização até hoje.

Até quando e o quanto os refugiados e eu suportaremos?

No final, somos todos seres humanos mas, humanidade só alguns têm.

Uma rapidinha do trem

Pra tirar o mofo do blog…

Ando viajando bastante de trem. Amem!
Numa desses viagens com mais de sete horas de duração, Zzzzz…, pergunto ao fiscal do trem em que vagão se encontrava o restaurante.  (Sim, tem restaurante nos trens.) Ele olha pra mim com pena e diz:
– Dessa vez o restaurante está bem longe. A senhora terá que atravessar seis vagões.
E sai pra continuar conferindo as passagens. Segundos depois, ele volta:
– A senhora está precisando de alguma coisa agora? Eu posso buscar pra senhora.
– Ah não, obrigada. Mas tarde apareço por lá. – sorrindo, claro.

Um fofo. Ele estava disposto a parar o que estava fazendo pra ir buscar algo pra mim. Já que não era a obrigação dele.

Ou seja, alemães frios sem coração…. Só que não.

Cenas do cotidiano em Berlin

Saindo da estação do metrô, em frente a um MÉC Donaldi, vejo um rato. Era tarde da noite. Ele devia estar fazendo sua caminhada noturna. A estação está em construção/reforma. Afinal, é Berlin e há sempre algo em construção ou reforma nessa cidade.

Eis que me distraio com o meu caminho, quando passa por mim uma raposa. O rato estava em sua boca (ou na boca dela). Ela se esquivava dos escombros e material de construção, até encontrar o caminho para o parque de onde deve ter saído.

Por um instante, pensei em como a vida é passageira. Num minuto o rato se deliciava com alguns restos mecdonaldianos. No outro, virou janta de uma raposa.

Depois pensei em como é a natureza. Dona Raposa sobrevivendo na vida selvagem de uma cidade cosmopolita. Fiquei sem saber quem era mais selvagem.

Aí, eu também, desviando dos escombros e áreas de proteção, pus-me ao caminho de casa, filosofando:

Ainda bem que eu não era nem o rato, nem a raposa.

 

Desacelerar

Não sei vocês, mas para mim está sendo bem difícil desacelerar. Os finais de semana chegam e eu não sei pisar no freio. Estou condicionada a estar sempre pensando, tendo ideias, resolvendo problemas na minha cabeça – muito deles, inclusive, imaginários.

Como na maioria do tempo, trabalho em casa, acabo não tendo uma rotina de horários saudáveis. E aquela coisa de “levar trabalho para casa” é uma constante na minha vida.

Esses últimos finais de semana, percebi que é muito difícil para mim ficar sem fazer nada. Sim. Eu tenho que estar conectada, com o celular na mão, acompanhando o que acontece no mundo. Eu não consigo desligar. Nem para escrever no ritmo que eu escrevia antes, vide blog.

Eu tento não fazer nada e não consigo. Lá vou eu pensar em como organizar melhor minha agenda, vou procurar um texto na net que me ensine a fazer isso, aí vejo o post interessante de um amigo sobre Mariana e vou lá lê-lo. E pronto, me vejo dentro de uma espiral perigosa.

Acontece isso com vocês?

O pior é que eu se eu não tenho nada pra fazer, me bate uma culpa… Eu penso: mas esse tempo aí você poderia estar usando para ler aquele artigo científico que ficou pendente da semana; ou para preencher aquela planilha, só falta umas informaçõezinhas… E lá se foi meu final de semana.

A conexão é permanente. O cérebro não para. Eu fico sem tempo para relaxar. No fundo, já até esqueci quais atividades me fazem relaxar. Escrever poesia? Pintar? Ouvir música? Sair para caminhar?

Quando foi a última vez que eu fiz isso? Quando foi a última vez que pensei em nada mesmo?

E agora? Como é que desacelera antes de eu ter um piripaque? Dicas? Alguém? 🙂

Da série: como tirar proveito…

Quando se é estrangeiro na Alemanha, os locais não criam muita expectativas ao seu respeito. Ou por preconceito, falta de conhecimento ou, simplesmente, porque não se importam, alguns alemães partem do princípio que:

– você nunca vai falar um bom alemão

– você não frequentou uma universidade (pobres países em desenvolvimento sem educação… Ironia mode on)

– você não tem/terá um emprego tão bom ou melhor que o deles.

– e, sendo mulher, você é só mais uma casada com um alemão…

Aí você vai lá, estrangeira, e dá uma palestra. O alemão que chegou meio cético, fica de queixo caído. A primeira pergunta é sempre: “você já sabia falar alemão antes de vir morar aqui?” E você responde: “aprendi aqui. Mas, depois de cinco anos, eu tinha que saber, não acha?” – porque faz parte do seu papel desconstruir conceitos também.

O tempo passa, vai continuar passando e as perguntas vão continuar as mesmas. A diferença é que você aprende a tirar proveito disso. Você aprende a lidar com o fator surpresa. Porque as expectativas são baixas, qualquer coisa que você fizer terá um impacto. Aí você aprende a ser soberana. Vai lá, faz seu trabalho da melhor forma possível e com segurança. A imagem que tinham de você muda e você passa a ser vista com outros olhos. Contudo, não como uma igual. Pelo contrário. Você é mais do que igual. Você é alguém que merece ser admirado. Porque, vejam só, apesar de tudo (ser estrangeira, ter que falar alemão e não ter uma educação compatível com o que eles imaginam ser a ideal.), você está lá dando uma palestra, dominando o assunto e o público tão bem ou melhor que um alemão.

Você, simplesmente, arrasa.