12 pessoas foram mortas em Paris num ataque terrorista. Nessa mesma semana, uma vila quase inteira foi dizimada na Nigéria.
Passa o tempo, o inverno vai acabando e o mar fica propício para velejar…
Velejar…
Até o momento em que escrevo este texto, estou sabendo que mais de 1600 mulheres, homens e crianças perderam a vida no mar mediterrâneo, tentando sair da África para entrar ilegalmente na Europa.
Ilegalmente… porque, veja você a ironia do destino, o refugiado político ou de guerra só pode requerer asilo estando no país. E como é que chega no país nessas circunstâncias?
Deduzo que tudo isso é para dificultar a vida do cidadão. Aí, uma vida que já é desgraçada, reduzida à um trabalho análogo ao escravo de uma vida inteira, é jogada no mar. Ou consegue atravessar. Ou vira comida de peixe.
Triste e revoltante.
Mas, mais triste e revoltante é saber que 12 cidadãos europeus pesam mais que 1600 cidadãos africanos. Em Paris, chefes de estado foram para a rua protestar, para garantir a democracia e a liberdade de expressão.
Sobre a liberdade de ir e vir de pessoas comuns ninguém discute. Sobre o direito à vida, ninguém discute. Só não entre, pelo amor de Deus, no nosso continente perfeito e imaculado. Construído às custas de uma exploração sem fim. Construído com as matérias primas e a mão de obra barata desse continente desprezado. Construído na ilusão de que selos “bio” e “fair trade” nos eximem da responsabilidade de uma exploração em escala e cheia de atravessadores.
Alemanha consome mais café que cerveja. É o segundo exportador de chocolate da Europa, só perde pra Suíça. Toneladas de rosas quenianas são consumidas aqui. À custa de quem?
Daqueles que não têm o direito de usufruir daquilo que eles mais nos oferecem.
Meu suor “europeu” e bem pago e bem vivido, vale mais que o deles todos juntos.
Que morram lá, com suas doenças e desgraças. Que morram lá, antes que cheguem aqui e nos façam lembrar que temos um dever moral e reparador para com seus destinos.
Que morram lá, mas antes, mandem café e cacau para cá. Por favor.
Rebecca Kristinne de Albuquerque Macedo disse:
Belíssimo post. Se tivesse desenhado não teria conseguido exprimir mais clara e belamente essa terrível realidade. Já pensou em escrever os posts tb em alemão? Minha sogra tem perdido o dono por causa da situação dos refugiados, pois sabe que muitos ainda perecerão. Sei q se ela ler esse post irá desbulhar-se em lágrimas e ficar ainda mais furiosa com a situação. Beijo
Von meinem iPhone gesendet
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essatal disse:
Oh querida, eu queria poder traduzir e conseguir a mesma força nas palavras como eu consigo em português. Ainda não cheguei lá. Mas mostra pra ela aquele vídeo do Tagesschau que eu publiquei, diz muito também. Bjs!
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Vanessa disse:
Como faz pra aplaudir?
Eu já nem sei o que dizer, tenho visto tanto egocentrismo nos últimos tempos. As pessoas não se importam com as outras, só se importam com quem interessa. Empatia seletiva. Não querem sair de sua posição confortável só porque gente que nem se conhece o rosto está morrendo.
Lembro de ter lido, acho que em 2013, que a Alemanha bateu record em exportação de armas. E quantas dessas armas vão parar em zonas de conflito? Quantas dessas armas geram refugiados? A Europa sempre explorou a África e hoje não quer fazer o mínimo pelas vidas que se perdem ali. Oferecer refúgio nem seria suficiente para compensar tanta exploração. É de perder a fé na humanidade.
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pammiksch disse:
Evinha, parece até que você leu meus pensamentos ao escrever esse post!
Parece que realmente que vidas têm o valor pesado de acordo com a nacionalidade e condição social das pessoas!
Todo mundo, principalmente por aqui na Europa, adora se fazer de politizado e consciente da situacao social do mundo, mas isso é um grande clichê!
Grandes nações estão na verdade cagando pra situaçao de outras menores. Querem apenas usufruir ao máximo do que elas podem fornecer.
Um tremendo ” Live and let die”.
Sou sua fã! Post massa!
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Lorna Bittencourt disse:
que texto lindo!
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Érika Salgado disse:
Eve, é de chorar ler seu post e comparar com o que foi noticiado em SP sobre essa tragédia. Na verdade, não sei se choro pela sensibilidade do seu post, pela insensibilidade de imprensa brasileira ou pela bestialidade dos leitores dessa mídia brasileira que dizem coisas horríveis sobre isso tudo no campo “comentários”.
Vou rezar por eles e agradecer a você por ter escrito algo tão lindamente humano, pois o mundo precisa disso, e muito.
Beijos e obrigada!
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Eliana disse:
Nossa, Eve, seu texto, como já disseram, está lindo! Mais que lindo, pontual, verdadeiro, cheio de realidade e humanismo. Sabe…isso não está muito longe do que foi o holocausto…mais uma tragédia na humanidade.
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Lua Virada disse:
Lendo todas as notícias sobre essas desgraças que estão acontecendo no mediterrâneo, eu lembrei muito de um livro do Paul Auster chamado “In the Country of Last Things”. Não, não tem ninguém morrendo afogado no livro, mas é a história de uma mulher que vive em uma cidade inimaginavelmente miserável da qual ninguém consegue sair. Não me lembro direito se a cidade é cercada pelo mar ou se existe uma muralha, talvez os dois. Quem tenta sair geralmente é pego ou morre no caminho.
Às vezes a gente esquece que no mundo atual já vivemos muito do que foi “previsto” em distopias escritas há décadas. Ou melhor, quem está do outro lado da muralha ou do oceano, do lado “bom”, faz questão de esquecer, de não ver.
Beijos!
P.S. Já traduziu esse texto pro alemão (ou pro inglês)? Merece divulgação… 😉
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serendipity disse:
Eve, entendi sua revolta, apesar de seu texto ficar reverberando na minha cabeça nese tempo todo… concordo com algumas questões que você coloca, mas ha de se pensar em consequências…
http://www.sueddeutsche.de/politik/drama-im-mittelmeer-mehr-als-bootsfluechtlinge-im-mittelmeer-gerettet-1.2463509
Pergunto: como ficar a postos e preparados pra receber tanta, tanta gente com tantos anseios, sonhos, expectativas… ou melhor, como “legalizar” a vida de tanta gente que quer chegar em terras europeias?
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essatal disse:
Olha… do mesmo jeito que eles nos receberam e recebem todo ano. Ninguém pergunta sobre nossos sonhos e anseios. Mas, com a estrutura e oportunidades que nos é oferecida, vamos lá e fazemos. A diferença é que não viemos de navio…
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