Título alternativo em alemão: Zugehörigkeit (Pertencimento)
Amiga alemã conversando comigo e uma curda (nascida na Síria) sobre achar uma pena os filhos de trabalhadores que vieram para cá melhorar a vida décadas atrás quererem voltar para o país de onde os pais vieram…
A amiga curda/síria tentando explicar a vontade de voltar e sem conseguir achar as palavras certas. Até que eu:
– Fulana, ela quer voltar para a Síria (quando for possível) por uma questão de identidade.
– Continuo sem entender. – disse a alemã.
– É simples: eu vim para cá com 28 anos. Eu sou brasileira e serei brasileira para sempre morando na Alemanha.
– E isso não é bom?
– Sim. Para mim, é. Eu morei 28 anos no Brasil. Mesmo que eu viva 50 na Alemanha, eu sei o que significa ser brasileira. Já a amiga curda/síria não. Ela veio para a Alemanha com cinco anos. Tem 26 anos que ela mora na Alemanha e continua sendo tratada como curda/síria. Ela não passou tempo suficiente na Síria para saber o que é ser síria, mesmo que todos a vejam como tal. Ela quer voltar para aprender isso, descobrir sua identidade, a sua Zugehörigkeit (aonde ela pertence).
A amiga síria me olha agradecida. A alemã não sabia mais o que dizer.
E esse problema (e a visão unilateral da amiga alemã) se repete aqui com frequência.
Em que momento uma pessoa se torna alemã na Alemanha? Infelizmente, não se torna, nasce. Tem que ter o sangue.
Os outros são todos estrangeiros.
P.S. Os curdos são um povo com língua e cultura próprias, que não tem país e ninguém quer. Eles possuem cidades na Turquia, Iraque e Síria. São os mais atingidos pela guerra no momento. Por isso, fiz questão de destacar que além de síria, ela é curda…
P.S. do P.S. Mesmo que eu adquira a cidadania alemã, a sociedade continuará me vendo como brasileira. Assunto para a parte 3 desta série.
Jo Ann disse:
Em França, é diferente. Eu, angolana/africana, sem outro passaporte, não sou vista como estrangeira até eu dizer que sou estrangeira. Faço parte desta sociedade, que seja pela língua ou minha educação, ou pelo meu noivo.
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essatal disse:
Isso é ótimo! Aqui, até quem nasce aqui, sendo os pais de outro país, não são vistos como alemães “de verdade”.
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Jo Ann disse:
É claro que tem aqueles que (vou caricaturar um pouco) queimam carros e depois dizem que não se sentem franceses. (Hello?) Mas quando são enviados para a terra dos pais, de repente sentem-se franceses até a ponta dos cabelos…
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essatal disse:
Vou continuar o tema na parte 3 explicando melhor como funciona por aqui. Só destacando que é a forma como a sociedade nos vê e aceita. Pra mim, brasileira (no Brasil, é por território e não sangue), foi bem complicado entender.
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Marcelo disse:
Mas um estrangeiro aqui nunca será visto como brasileiro… O que na maioria dos casos vai ser um “plus” pra eles… e nós no país deles.. talvez não tenhamos este status né…
Presenciei uma cena que talvez seja parecida com a que vc descreveu.. No sábado, em uma loja.. o vendedor falou a uma cliente: Você sabia que das cidades mais pobres do Brasil, 4 estão no Maranhão? No que a cliente respondeu: E mesmo assim você quer voltar pra lá?
Ou seja… mesmo ambos sendo brasileiros, a cliente também não entendeu o pq do vendedor querer voltar pra uma situação “”””pior”””. Então talvez isso não tenha a ver com ser estrangeiro ou não.. mas sim em como a pessoa vê o outro lugar/situação para qual o alguém quer voltar..
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essatal disse:
Interessante ponto de vista. 🙂
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Bárbara Hernandes disse:
Muito interessante essa discussão que você está propondo por aqui! Aqui na Irlanda existem muuuuitos estrangeiros mas nunca vi nenhum irlandês o tratando “igual” – não vejo muito preconceito com algumas nacionalidades (não vivemos num mundo cor-de-rosa e há preconceito com algumas nacionalidades sim!), mas tratar como irlandês não tratam. Será que isso é da Europa de forma geral?
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essatal disse:
Olha, não sei. A Jo disse que na França é diferente. Acho que tem a ver tb com a política de integração.
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Carolina disse:
Acho q essa coisa se repete um pouco ( a do pre-conceito) em toda a Europa!
Estrangeiro será sempre estrangeiro. Aqui na Italia entao acho taooo feio o modo em que eles chamam o estrangeiro: EXTRA-COMUNITARIO!!!
Porém qdo digo que venho do Rio todo mundo fala: “e o que vc veio fazer aqui? Pq trocou aquela maravilha por esse país de m…???” ( ja ouvi mto isso!!!)
Mas tb tem gente q pensa que moramos todos na favela, ou entao que o Brasil è uma floresta, onde somos curados por curandeiros e tomamos chás ao inves de remedios…
Acho que tb é pura ignorancia da parte de mtos deles acharem que estao melhor, que eles tem mais historia e que nós “sem eles” nao seriamos ninguem…
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essatal disse:
Já ouvi isso tb: pq trocou lá por aqui. Pior é quando o tom é aquele de que “eu nem deveria ter saído de onde vim”…
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Mel disse:
Eu tive essa conversa na semana passada. Que o problema da Integrationspolitik é esse constante difereciamento das pessoas. Enquanto estiver eles (Pessoas com Migrationshintergrund) e eles (alemães 100%), nunca haverá uma identidade compartilhada. Sempre serão duas, enquanto isso as pessoas vivem sem saber wo sie hingehören, pois tenha certeza que para o povo no país de origem, elas não são zugehörig 😦
Quando a política começar a tratar os alemães (todos inclusive os com pais estrangeiros, ou com direito adquirido) como UM POVO só, sempre haverá essa discussão. Seufz…..
Como diz uma amiga minha, moro desde os 12 anos na Alemanha, ou seja estou aqui há quase 25 anos, e ainda me perguntam, ob ich mal zurück nach Hause will.
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essatal disse:
Exatamente! E a política de integração daqui é tema da parte 3. 😉
É um assunto loooonnngggoooo…
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Mel disse:
Nossa que bom que vc entendeu o que eu quis dizer pq minhas frases nao fazem nem um pouco de sentido hahaha, igual a integrationspolitik kkkkkk
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LornaBittencourt disse:
Texto sensacional. Morando aqui, nunca liguei pra isso, mas com Alice eu passei a reparar. Aqui eles falam assim “sou 1/8 inglesa, 1/4 irlandesa,1/4 alemã..” você acredita? Eu acho tão confuso! Por um lado, há um orgulho de ter essa mistura na família e de não deixar nada disso para trás, por outro é meio imbecil (ou muito). Participo de grupos online de mães e sempre tem post sobre como ensinar tal coisa para “criança birracial/multirracial”, nossa como isso é confuso pra mim. Aqui se critica grupos minoritários dizendo que “eles estão agindo como brancos”. Que zorra é essa? Fico perdidona…Como eu e marido estamos na área acadêmica, onde é tudo misturado mesmo, é o tipo de discussão que não nos atinge, mas quando Alice entrar na escola, esse será um tópico importante.
Também, quero que ela aprenda a ser brasileira, sei lá, que coma arroz e feijão, mas também quero que ela aprenda a ser americana (ainda estou descobrindo essa parte).
Cheiro!
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essatal disse:
Se eu não me engano, eu vi um gráfico explicando a “origem” de uma criança a partir do movimento de migração da família num romance sobre a segunda guerra mundial: 15% disso, 25% daquilo e eu O.o… super esquisito. Que vc saiba suas origens ok. Mas, se separar em pedacinhos? Oi?
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Eliana disse:
Pois é…se a criança nasce na Holanda e for filha(o) de estrangeiros, ela recebe o título de Allochtone. Sempre será visto como um estrangeiro. Acho horrível isso, porque tudo tem suas denominações pra etiquetar bem quem é quem. E, lógico, com isso as vantagens e desvantagens, separações. Política de integração??? Só se for pra mostrar ao estrangeiro qual é o seu devido lugar! Pra mim, tudo conversa fiada, viu!?!?!
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Lua Virada disse:
É até engraçado eu dizer que aqui no Canadá é a mesma coisa, pois esse aqui é um país de imigrantes… Eu esqueci as porcentagens, mas uma grande parcela da população nasceu fora do Canadá, mas ainda assim as pessoas fazem questão de diferenciar nascido de chegado…
Aliás, até seria engraçado mesmo SE o governo federal não tivesse acabado de aprovar uma lei para estabelecer o “cidadão de segunda classe”. No mundo normal, cidadania é algo que depois de dado não pode ser tomado. Entretanto, o governo canadense conseguiu passar no parlamento uma lei que estabele que cidadãos com dupla cidadania podem perder a canadense caso cometam certos tipos de crime. (Leia-se, sejam acusados de “terrorismo”. Sim, terrorismo entre muitas aspas, pois estão tentando tirar a cidadania de dois adolescentes de ascendência árabe que foram pegos antes de fugir de casa para “ir lutar no estado islâmico”…) Tá um bafafá do cão essa história toda por aqui!
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